Ao
Gui.
Essa palavra
de cidade extraordinária e lixão nas pilastras
De nuvens
de sol e reflexos de mar no monólito milenar
Cidade de
pernas douradas, fortes e abertas
Cidade
voluptuosa e labial
Essa cidade
que tem mais mortos que peixinhos a nadar no mar
E mais vida
da que estrangeiro algum poderá suportar
Cidade de
mijo com pipoca adoçando o ar
Cidade de
brisas salgadas e suor de machão fardado
De ti
vou-me embora com a mesma mala preta
Algumas
dívidas contigo deixo, agradecimentos
Como nas
piores horas no teu mar as angústias...
Deixo as
lembranças do amor setentrional
As brigas
virulentas e tanto gemido molhando as janelas
...os
projetos que ficaram pendurados no sanguíneo amanhecer do Corcovado
Deixo o
sonho de querer-te, cidade marrentilhosa
Eu que te
conheci apenas nos brilhos do cabelo
Que tão mui
te gozei e tão nada te dei, como bom gringo
Vou-me
embora pra putárgada que nos re-mil parió
Mais velho
e com tua areia entre os cílios
Sem
coqueiros nem sabiás, sem exilio nem bossa nova.
Deixo em ti
um bixo virando gente e um irmão virando índio,
alguns
amores, alguns amigos:
...la Silvia con su Gracielita,
uma vila gloriosa e uma vizinha também
um colorado doente e a barriguda da sua
rubro-negra
um gentleman gaúcho perdido no mato
uma alemã cria daspu-tas
uma velha queer e sua Mama Monster
a Laura de Piracicaba, a Drealer,
a mineira sardentinha que me trocou por um
chocolate azteca
um sobrinho na Barra-de-Miami
a GabiGigante e seu castelo de topo do morro
um caixinha com meus tesouros...
E peço-te
desde o fervilhar da minha úlcera gástrica
Que não os destruas
infame
nem bueiros nem prédios implotentes
nem enchentes nem chacinas de
pacificação
nem rata-sanas nem lacraias
Vou-me
embora feliz e agradecido pela nossa caralha história
Satisfeito
pela minha teimosia hedónica do 21
Pelo
bem-me-quer do teu ar úmido e teus 0-800 sobre a rocha
Sei que não
chorarás por mim, bastarda
Nem pareço
Evita nem queres Buenos Aires
E há tempos
que esqueceste de chorar...
teus olhos zoam
suam
zumbam
E depois,
logo logo
estarei aqui pedindo arrego
buscando
alívio no poder da onda
nas roupinhas levianas
na cantoria do Flamengo
nas peles orvalhadas que gostam de
beijar.